A Embraer que sobrou, com avião executivo, é lucrativa e vai sobreviver?
Vinícius Casagrande
20/12/2018 04h00
A Embraer vendeu a sua parte mais lucrativa (aviação comercial) para a Boeing e ficou com um pedaço que rende menos (aviação executiva e de defesa e segurança, excluído o projeto do avião KC-390). Será que essa empresa que restou será financeiramente sustentável?
Para ter sucesso, o principal desafio da Embraer, será fazer uma reestruturação total, de acordo com analistas do setor ouvidos pelo blog Todos a Bordo. Uma das dificuldades será a possível perda de engenheiros, considerados o cérebro da empresa. Para encarar o desafio, terá de fazer novos produtos, como um táxi voador em estudo.
Maior parte da receita foi embora
A área de aviação comercial é a principal fonte de receitas da Embraer. De acordo com o balanço financeiro do último ano, a divisão foi responsável por 58% das receitas da empresa. A aviação executiva teve 26% de participação, enquanto o setor de defesa e segurança representou 16% das receitas.
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"A sustentabilidade da empresa depende de uma reestruturação. A única certeza é que a maior parte da receita foi embora. Agora, precisa ver qual parte da despesa vai embora também", afirmou Shailon Ian, engenheiro aeroespacial, ex-tenente da Força Aérea Brasileira e presidente da consultoria Vinci Aeronáutica.
Para analista, é sustentável
Robertson Emerenciano, especialista em fusões e aquisições e sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, afirmou acreditar que, apesar de a negociação com a Boeing envolver a maior parte da receita da Embraer, a parte remanescente de aviação executiva e defesa continuará sustentável.
"O negócio foi anunciado como fusão, mas, na verdade, é uma operação de venda da área de aviação comercial. Se uma área fosse totalmente dependente da outra, a venda implicaria o total do negócio da Embraer. Não creio que os acionistas atuais da Embraer venderiam uma parte substancial da companhia para ficar com um negócio que não pudesse continuar operacional", afirmou.
Redução causa dificuldades
Por outro lado, o especialista em direito aeronáutico e sócio do escritório ASBZ Advogados, Guilherme Amaral, ressalta que a diminuição do portfólio de produtos pode trazer dificuldades à Embraer.
"Acho que existe a possibilidade de ser sustentável. A Embraer tem mercado e espaço, mas terá um desafio gigantesco pela frente de desencaixar essa parte mais glamourosa da aviação comercial. É muito desafiador porque já não era um mercado fácil atuando em todas as frentes de negócios", disse.
Demitir engenheiros é perder o cérebro da empresa
O que foi divulgado até o momento não deixa claro, por exemplo, como serão divididos os funcionários entre a parte com a Boeing e o capital remanescente da Embraer. Uma das incertezas é saber se os engenheiros que desenvolvem novos aviões ficarão na nova ou na antiga empresa.
"Sozinhas, as aéreas de aviação executiva e defesa não têm receita para bancar a equipe de engenharia atual. Se perder os engenheiros, perde o cérebro da empresa. A Embraer precisa de projetos e inovação, mas isso custa muito dinheiro", disse Shailon Ian.
A equipe de engenheiros da Embraer é vista pelo mercado como um dos grandes atrativos da empresa brasileira. A Boeing tem enfrentado dificuldades nos últimos anos para renovar sua equipe. Já os engenheiros brasileiros são valorizados pela capacidade de desenvolver novos aviões dentro dos prazos e orçamento estabelecidos.
Por outro lado, Shailon Ian ressalta que a equipe de testes em voo pode enfrentar dificuldades. "A Boeing já tem uma equipe grande para seus testes, mas também não justifica ficar na Embraer", afirmou.
Tem de fazer novos produtos, como táxi voador
Para Shailon Ian, uma das formas de a "velha" Embraer ser sustentável sem a dependência da Boeing é investir em novos produtos e segmentos da aviação. "Acho que deveria pegar esse dinheiro que vai receber e investir pesado no desenvolvimento de novos produtos, como drones ou robótica. Tem de investir pesado na engenharia e inovação", afirmou.
Um dos projetos já em desenvolvimento pela Embraer é a produção de um eVTOL (veículo elétrico de pouso e decolagem vertical, na sigla em inglês). A nova aeronave é uma espécie de drone para passageiros, ou táxi elétrico voador, e está sendo desenvolvida em parceria com a Uber.
As primeiras imagens do protótipo da Embraer foram apresentadas em maio, durante um evento da Uber em Los Angeles, na Califórnia (EUA). Ainda não há uma data para a Embraer apresentar oficialmente o primeiro protótipo operacional.
Negociação conjunta para peças pode ser vantagem
Uma das possibilidades é que o contrato entre Boeing e Embraer preveja termos de cooperação de novos projetos entre as duas empresas. "Normalmente, nas operações de fusões e aquisições a empresa remanescente continua compartilhando as sinergias. Certamente o acordo deve estar prevendo o compartilhamento de estrutura ou a remuneração do uso dessa estrutura", afirmou Robertson Emerenciano, especialista em fusões e aquisições.
Outro ponto que pode fazer parte dos acordos de sinergia entre a nova e a velha Embraer está na negociação com os fornecedores de peças para a fabricação dos aviões. Caso isso ocorra, as áreas de aviação executiva e de defesa podem se beneficiar do maior poder de negociação para ter uma redução de custos.
"Vai ser interessante saber como o negócio de aviação executiva vai interagir com a aviação comercial e como as diversas produções vão conversar entre elas. É preciso saber se haverá um isolamento total entre as áreas ou se até as negociações para compra de motor e tecnologia poderão ser conjuntas", afirmou Guilherme Amaral, especialista em direito aeronáutico.
No entanto, uma separação completa pode significar até mesmo uma perda de imagem da marca Embraer, que poderia atrapalhar especialmente futuras vendas de jatos executivos. "É mais fácil vender um jato executivo quando se tem a confiança dos jatos comerciais. Aviação é muito de reputação, de construção da marca e histórico", declarou Amaral.
Mudanças só no fim de 2019
Segundo Emerenciano, todo o trabalho para adaptação das novas estruturas das duas empresas começa a ser feito antes mesmo da assinatura final do acordo e da aprovação dos diversos órgãos regulatórios. No entanto, as mudanças só podem ser efetivamente colocadas em prática quando tudo estiver aprovado.
A Boeing e a Embraer dizem que todo o processo deve ser concluído até o final de 2019. Somente a partir daí é que a aviação comercial será totalmente separada do restante da Embraer.
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