Programa usa dados pessoais e fará passagem aérea variar segundo seu perfil
Todos a Bordo
01/03/2018 04h00
A forma como você pesquisa preços de passagens aéreas pode ter de mudar radicalmente no futuro. Um novo software oferecido às companhias aéreas pretende criar preços dinâmicos de passagens aéreas. Assim, dois passageiros pesquisando simultaneamente preços para um mesmo voo poderiam encontrar tarifas diferentes.
A proposta do sistema desenvolvido pela empresa de tecnologia Pros é que o valor da tarifa seja atrelado ao perfil do passageiro, e não apenas a questões como procura, data e antecedência do voo, como acontece atualmente.
A ideia é que o sistema capture dados de navegação dos passageiros, avalie os voos anteriores e identifique se ele está inscrito nos programas de fidelidade da companhia aérea para, então, determinar o preço da passagem. Outros pontos como frequência de viagens e tempo de permanência no destino também podem influenciar no valor final do bilhete.
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Um passageiro que faz muitos voos na mesma companhia aérea, por exemplo, poderá receber um desconto. Já um passageiro que vai fazer um voo de ida e volta no mesmo dia poderá encontrar uma tarifa mais alta. Nesse caso, o sistema entenderá que aquela é uma viagem de negócios, o que permite que a companhia aérea cobre um preço mais alto. O valor será baseado na necessidade e capacidade de pagamento do cliente.
A Pros tem 80 companhias aéreas como clientes no mundo. Dessas, apenas 11 já começaram a implementar o sistema de preços dinâmicos baseado no perfil do passageiro. A empresa, no entanto, diz que por questões contratuais não pode revelar quais são essas companhias.
"Com base em nosso portfólio de projetos, haverá um grande número de companhias aéreas que devem migrar para o sistema de precificação dinâmica", afirma John McBride, diretor de gerenciamento de produtos da Pros em entrevista ao site Travel Weekly.
Seus dados usados contra você
Se as companhias aéreas realmente começarem a adotar as tarifas dinâmicas para as passagens, os usuários precisarão ter atenção redobrada na hora de pesquisar os preços. Para coletar os dados do usuário, o sistema utiliza os cookies de navegação na internet. É basicamente a mesma tecnologia que os sites já usam para mostrar uma propaganda que se encaixe melhor no perfil do usuário.
Atualmente, já existe um mito de que, se você limpar os cookies do navegador ou fizer a pesquisa em uma janela anônima, os preços ficam mais baixos. A reportagem do Todos a Bordo fez várias pesquisas de preço utilizando essa técnica e nunca encontrou valores diferentes.
Com o sistema de preços dinâmicos, é possível que esse método finalmente gere algum efeito sobre o valor da passagem. Será preciso ter cuidado e fazer alguns testes antes de comprar a passagem.
"Se você achava que comprar passagens aéreas já era um desafio, só vai ficar ainda pior", escreveu o jornalista especializado George Hobica em artigo para o jornal norte-americano "USA Today".
Além de críticas de passageiros, Hobica afirma que o novo sistema também pode encontrar resistência dos órgãos reguladores e de entidades de defesa dos consumidores se realmente for implementado pelas companhias aéreas.
Cobrança seria legal no Brasil?
Segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), nenhuma companhia aérea brasileira adota o sistema de preços dinâmicos até o momento. No entanto, não haveria nenhum impedimento legal para que isso fosse feito aqui, de acordo com a Anac e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
"Destacamos que se trata de tipo de conduta que ainda não é realizada pelas empresas aéreas aqui no Brasil. É importante observar também que a precificação [definição dos preços] dos bilhetes aéreos é feita pelas companhias aéreas, tendo em vista o regime de liberdade tarifária no setor, instituído pelo governo federal em 2001 e ratificado por meio da Lei n° 11.182/2005", afirma a Anac.
O advogado e pesquisador em telecomunicações do Idec, Rafael Zanatta, afirma que, apesar de não haver impedimento legal para preços dinâmicos, o problema estaria na forma de coleta de dados pessoais dos usuários.
"O modelo de precificação somente funciona se houver ampla coleta de dados pessoais. Em se tratando de aplicação de internet, o Marco Civil da Internet obriga que processos de coleta de dados tenham informações claras sobre as finalidades específicas do tratamento de dados pessoais. Empresas que coletam e processam dados pessoais para elaboração de preços dinâmicos devem informar explicitamente que realizam preços dinâmicos com base na coleta de dados pessoais", afirma.
O advogado do Idec também defende uma mudança na legislação brasileira para proteger os dados dos usuários. "Usuários de aplicativos e navegadores não sabem que existem cookies em suas máquinas coletando metadados e informações pessoais para formar um preço variável. O Idec defende a aprovação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e normas claras para que empresas informem, obrigatoriamente, quando utilizarem metadados e dados pessoais para discriminação de preço", diz.
A Abear (Associação Brasileira de Empresas Aéreas) afirmou que a decisão de adotar o sistema de preços dinâmicos no futuro dependerá da estratégia de negócios e política de comercialização de cada empresa.
"Conceitualmente, sobre o tema geral, a Abear é defensora do livre mercado, realidade que começou a ser implantada no setor aéreo brasileiro a partir de meados da década de 1990 – e que ainda vem gradualmente sendo aprimorada até hoje. Dentro dos elementos de livre mercado na aviação nacional, a liberalização tarifária, em vigor plenamente desde 2002, é o pilar central da democratização do uso do avião no país. Ela criou o ambiente de real concorrência entre as companhias aéreas, levou à modernização do setor, à redução dos preços pela metade e à triplicação da quantidade de consumidores atendidos anualmente ao longo de pouco mais de uma década", afirma a entidade.
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