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Há 30 anos, sequestrador queria jogar Boeing da Vasp no Palácio do Planalto

Todos a Bordo

29/09/2018 04h00

Corpo do copiloto Salvador Evangelista é retirado do avião durante sequestro (Reprodução)

Por Vinícius Casagrande

Há 30 anos, o Brasil vivia mais uma de suas crises econômicas. O maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição culpava o então presidente José Sarney, também maranhense, por estar desempregado e pretendia se vingar pessoalmente, mesmo que isso custasse a sua própria vida e a de outras 104 pessoas que estavam a bordo do Boeing 737 que fazia o voo Vasp 375 em 29 de setembro de 1988, uma quinta-feira. O plano de Raimundo Nonato era sequestrar o avião e jogá-lo sobre o Palácio do Planalto, em Brasília, para matar Sarney.

O maranhense embarcou armado no aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), por volta das 10h, com destino ao Rio de Janeiro. Naquela época, o aeroporto de Confins ainda não tinha máquinas de raio-x ou detectores de metais.

Cerca de 20 minutos após a decolagem, resolveu colocar seu plano em prática.

Levantou-se do seu assento e foi em direção à cabine de comando. Antes de chegar à porta, o comissário de bordo Ronaldo Dias tentou impedir sua aproximação. Raimundo reagiu, dando um tiro, que pegou de raspão na orelha do comissário.

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O barulho foi suficiente para que os pilotos percebessem que algo errado se passava dentro do avião e, rapidamente, trancaram a porta da cabine. O sequestrador começou a atirar contra a porta –naquela época, elas ainda não eram blindadas.

As balas atravessaram a porta e atingiram alguns equipamentos do painel do avião. Uma delas acertou a perna de um tripulante extra que acompanhava o voo. Temendo que os pilotos fossem atingidos, o comandante Fernando Murilo de Lima e Silva decidiu abrir a porta da cabine.

Desvio de rota para Brasília e copiloto assassinado

Assim que entrou na cabine, Raimundo Nonato mandou o comandante desviar desviar o Vasp 375 para Brasília. Com a rota mais longa, havia um risco adicional: não ter combustível suficiente para seguir até a capital federal.

O comandante conseguiu acionar o código 7500 no transponder do avião. Esse é um código internacional usado para avisar aos órgãos de controle de tráfego aéreo de que o avião está sob "interferência ilícita". Com o alerta, um caça Mirage da FAB (Força Aérea Brasileira) decolou da base aérea de Anápolis (GO) para acompanhar o voo.

Ainda sem saber as reais intenções do sequestrador, o comandante seguiu as orientações dele e mudou o rumo da aeronave. O controle de tráfego aéreo entrou em contato pelo rádio para confirmar a mudança de rota, sem mencionar que já havia recebido o alerta do comandante.

Quando o copiloto Salvador Evangelista se abaixou para pegar o rádio e confirmar a mudança de rota, Raimundo Nonato colocou o revólver em sua cabeça e atirou. Evangelista caiu morto sobre o manche do Boeing 737.

Brasília 'escondida' pelas nuvens

Com o copiloto morto a seu lado, o comandante precisou manter-se calmo e controlar o consumo de combustível do avião. O Boeing 737 passou a voar com velocidade reduzida e na altitude máxima. Quando se aproximava de Brasília, o sequestrador avisou que o comandante deveria se dirigir ao Palácio do Planalto. Nesse momento, o Vasp 375 era acompanhado de perto por um caça Mirage da FAB. O presidente José Sarney foi avisado do sequestro.

O dia estava nublado e, na altitude máxima, o Vasp 375 voava acima das nuvens. O comandante tentava não se aproximar muito de Brasília para evitar que Raimundo Nonato pudesse avistar o Palácio do Planalto, e disse a ele que não havia condições de descer na capital federal. Raimundo acreditou, e concordou em desviar o voo.

Os tanques do Boeing 737 estavam cada vez mais vazios, e restavam poucos minutos até os motores pararem por pane seca. O comandante escolheu como destino o aeroporto mais próximo, em Anápolis (GO).

Nova mudança de rota e manobras de acrobacia

Quando o avião iniciou a descida para o pouso em Anápolis, o sequestrador mandou o comandante desviar novamente o voo, dessa vez para Goiânia. Fernando Murilo tentou argumentar que o combustível poderia não ser suficiente, mas não conseguiu convencer Raimundo Nonato. Como fazia o voo em descida, gastando bem menos combustível, o Boeing 737 tinha condições de chegar até Goiânia no limite.

O desespero do comandante Fernando Murilo veio quando o sequestrador ordenou uma nova mudança de rota. Agora, ele queria seguir para São Paulo.

Com a arma apontada para sua cabeça, o comandante precisava se livrar do sequestrador para conseguir pousar no aeroporto de Goiânia. Decidiu fazer uma manobra extremamente arriscada para derrubar Raimundo Nonato.

Mesmo sem saber se a estrutura do avião aguentaria a execução da manobra, o comandante executou um "tonneau", inclinando as asas lateralmente até o Boeing 737 dar um giro completo de 360 graus. Porém, Raimundo Nonato manteve-se firme, em pé, apontando a arma para o comandante.

Fernando Murilo decidiu fazer, então, uma manobra ainda mais perigosa. Colocou o nariz do avião para baixo e começou a descer em parafuso, girando sobre o próprio eixo. Dessa vez, Raimundo Nonato não conseguiu se segurar e caiu no chão do Boeing 737.

Quando terminou a manobra, Fernando Murilo avistou a pista do aeroporto de Goiânia logo à sua frente. Enquanto o sequestrador tentava se levantar, o comandante conseguiu, finalmente, pousar o Vasp 375 em segurança.

Durante todo o voo, o caça apenas acompanhou o Boeing 737 da Vasp, sem tomar nenhuma providência. Apesar do pânico a bordo, os passageiros permaneceram sentados em seus lugares. Havia o medo de que, se reagissem, o sequestrador poderia matar o comandante.

Troca de tiros na pista

Logo após tocar a pista do aeroporto, o motor direito do Boeing 737 desligou por falta de combustível. Pelo rádio, Raimundo Nonato exigia outro avião para seguir a Brasília. Ele queria um caça. Após horas de negociação, as autoridades resolveram enviar um avião Bandeirante para a pista de Goiânia.

Não havia, no entanto, nenhuma intenção de decolar novamente com o sequestrador. O Bandeirante era apenas uma armadilha. Na parte interna, uma cortina preta escondia um atirador de elite. Assim que Raimundo Nonato subisse a bordo, seria executado. O que ninguém poderia esperar era que o tiro não atingiria o alvo.

O sequestrador havia descido do Boeing 737 levando o comandante e dois comissários como reféns. Quando estava entrando no Bandeirante, o atirador disparou, mas errou o alvo. Os comissários conseguiram correr para um matagal ao lado da pista. O sequestrador descarregou seu revólver na direção do comandante, que acabou atingido na perna. Outros policiais que estavam no local atiraram contra Raimundo Nonato, que foi atingido três vezes. Nenhum tiro foi fatal.

Raimundo Nonato foi levado ao hospital, passou por uma cirurgia e não corria risco de morrer, segundo o boletim médico daquela noite. No dia seguinte, foi transferido da UTI para um quarto normal. No domingo, após prestar depoimento à Polícia Federal, Raimundo Nonato morreu na cama do hospital.

Os médicos do hospital e os legistas de Goiânia se recusaram a assinar o atestado de óbito. A Polícia Federal convocou, então, o legista da Unicamp (Universidade de Campinas) Fortunato Badan Palhares, o mesmo que anos mais tarde assinaria o óbito de PC Farias, ex-tesoureiro de Fernando Collor. Segundo o atestado de Badan Palhares, Raimundo Nonato morreu em decorrência de um quadro infeccioso por ser portador de anemia falciforme, uma doença congênita.

Anos mais tarde, o comandante Fernando Murilo declarou em diversas entrevistas que nunca recebeu um agradecimento do ex-presidente José Sarney.

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