Aviões usam óleo de cozinha e mostarda para poluir menos, mas ainda é caro
Todos a Bordo
18/03/2018 04h00
Por Vinícius Casagrande
A aviação tenta ser menos poluente e experimenta biocombustíveis, incluindo até óleo de cozinha usado e sementes de mostarda. Mas a troca ainda é cara e pode custar três vezes o valor do combustível tradicional.
O primeiro avião comercial abastecido com biocombustível decolou há pouco mais de 10 anos. Uma década depois, os altos custos ainda são uma barreira para a adoção massiva de combustíveis sustentáveis na aviação. Mas a indústria aeronáutica avalia que essa é a única alternativa viável até o momento para atingir a meta da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla em inglês) de reduzir em 50% as emissões de carbono na atmosfera até 2050 em relação aos índices de 2005.
Segundo a Iata , os biocombustíveis emitem até 80% menos gases na atmosfera do que o querosene de aviação tradicional.
O primeiro voo de testes com biocombustível foi feito no dia 24 de fevereiro de 2008, com um Boeing 747 da companhia aérea britânica Virgin Atlantic entre Londres (Inglaterra) e Amsterdã (Holanda). Na ocasião, apenas um dos quatro motores do avião recebeu a mistura do querosene tradicional com o biocombustível feito à base de coco e semente de babaçu (uma palmeira brasileira).
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Três anos mais tarde, a holandesa KLM fez o primeiro voo com passageiros a bordo de um Boeing 737 abastecido com biocombustível. O avião recebeu 50% de querosene tradicional e 50% de biocombustível feito à base de óleo de cozinha reutilizado.
No Brasil, as companhias aéreas Gol e Azul também já fizeram diversos voos com o uso de bioquerosene. A Azul optou por utilizar o biocombustível feito a partir da cana-de-açúcar, enquanto a Gol utilizou o bioquerosene produzido a partir de uma mistura de ICO (óleo de milho não comestível proveniente da produção de etanol de milho) e OGR (óleos e gorduras residuais).
Entre 2011 e 2015, 22 companhias aéreas realizaram um total de 2.500 voos comerciais com passageiros em aviões abastecidos parcialmente com biocombustível, segundo dados da Iata. Desde então, esse número tem crescido exponencialmente, chegando a 100 mil voos comerciais no último ano. A meta para 2020 é atingir a marca de um milhão de voos.
No entanto, nenhum avião ainda pode ser abastecido 100% somente com o bioquerosene. Embora tenham as mesmas características do querosene tradicional, as certificações internacionais permitem que cada avião utilize no máximo uma mistura de 50% de biocombustível e 50% de querosene fóssil. "Mas é possível que um dia chegue a 100%", afirma Onofre Andrade, coordenador do centro de pesquisas da Boeing no Brasil, que realiza pesquisas na área de biocombustíveis sustentáveis para aviação, gestão avançada de tráfego aéreo, metais avançados e biomateriais, entre outras.
Redução de custos
O biocombustível já chegou a ser até seis vezes mais caro que o querosene fóssil. Atualmente, custa de duas a três vezes mais que o combustível tradicional.
"O maior desafio talvez seja a definição de uma política pública que crie incentivos iniciais sem ter que necessariamente significar renúncia fiscal para conseguir alavancar essa nova indústria", afirma Onofre Andrade.
Andrade cita o exemplo da Califórnia (EUA), onde incentivos de crédito permitiram que o preço do biocombustível ficasse praticamente igual ao do querosene tradicional. Com isso, mais companhias aéreas passaram a usar essa alternativa.
Desde 2016, a United Airlines opera voos diários a partir do aeroporto de Los Angeles parcialmente abastecidos com biocombustível. O mesmo acontece com os voos da KLM que decolam da cidade.
O aeroporto de Oslo (Noruega) foi o pioneiro a comercializar o biocombustível de aviação. No entanto, o combustível utilizado é produzido na Califórnia e transportado para a Noruega. O querosene feito a partir do óleo de cozinha é misturado ao combustível tradicional.
Na mistura final, apenas 0,2% é de bioquerosene. "É uma pequena gota, mas é a primeira gota", disse Olav Mosvold Larsen, da estatal Avinor, que administra 45 aeroportos na Noruega, em entrevista à agência de notícia Reuters.
Novas tecnologias
O bioquerosene de aviação pode utilizar diferentes biomassas como matéria-prima para sua produção. As mais comuns atualmente são o óleo de cozinha reutilizado e plantas camelina, algae, jatropha e cana-de-açúcar. Em janeiro, a australiana Qantas fez um voo com biocombustível produzido a partir das sementes de mostarda.
Apesar de matéria-prima de baixo custo, o bioquerosene ainda tem custo elevado em virtude da complexidade do processo para sua transformação e baixa procura do mercado.
O coordenador do centro de pesquisas da Boeing no Brasil afirma que atualmente existem cinco processos certificados internacionalmente para a produção do bioquerosene de aviação, que podem utilizar diferentes matérias-primas. No Brasil, a única fábrica é da empresa Amirys, que utiliza a cana-de-açúcar. Apesar da mesma matéria-prima do etanol, o produto final tem características completamente diferentes do combustível utilizado nos carros.
Independentemente da matéria-prima ou do tipo de processo utilizado, o bioquerosene de aviação deve ter exatamente as mesmas características técnicas do combustível fóssil, como poder calorífico (eficiência de queima) e resistência ao frio. A exigência é que ele possa ser utilizado sem a necessidade de nenhum tipo de adaptação tanto no avião como em toda a rede de abastecimento.
"Nossa expectativa é que com a aprovação de novos processos, investimentos em produção e matérias-primas mais baratas, esses custos caiam. No Brasil, temos a oportunidade de criar uma política muito parecida com essa que citei nos Estados Unidos. O mecanismo todo pode ajudar no custo final e alavancar a indústria", diz.
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