Só uma chuva faz aeroporto ter atrasos por 5 dias ou há algo mais sério?
Alexandre Saconi
21/12/2018 04h00
Passageiros enfrentam 3º dia de filas em Guarulhos no domingo (16) – Foto: Cesar Borges/Fotoarena/AE
Um dia de chuva forte pode fazer um aeroporto ter vários dias seguidos de voos cancelados ou atrasados? Para o passageiro comum, fica sempre a dúvida se não está acontecendo algo mais.
Nos últimos dias, por exemplo, diversos aeroportos do país enfrentaram atrasos em decorrência do fechamento do aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, para pousos e decolagens após fortes chuvas e ventos que atingiram a região na quinta-feira (13). Cancelamentos e atrasos foram registrados por cinco dias, até segunda-feira (17) devido àquele fechamento, e a situação só foi normalizada por volta do meio-dia.
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Por coincidência, uma semana antes dos problemas (6/12), havia sido implantado em Guarulhos um novo sistema que permitia pousos e decolagens ao mesmo tempo. A confusão poderia estar ligada a isso? Ou a algum outro problema técnico que não estivesse sendo revelado ao público?
O que dizem técnicos e entidades
Especialistas e entidades ouvidas pelo Todos a Bordo negam qualquer relação entre uma coisa e outra.
Segundo a concessionária GRU Airport, que administra o aeroporto, o novo sistema de pouso e decolagem simultâneos, batizado de Agile GRU, "contribuiu para a recuperação dos atrasos pois gera maior fluidez no aeroporto".
As operações simultâneas só ocorrem quando o aeroporto está em condições visuais de pouso e decolagem e teriam reduzido o tempo de espera quando o aeroporto de Guarulhos foi reaberto. Entretanto, ainda não há dados disponíveis sobre esta melhora na recuperação.
Para Aroldo Soares, controlador de voo aposentado e professor universitário, essa operação de Guarulhos aumenta a capacidade operacional do aeroporto. "Houve apenas uma coincidência [sobre o início da operação simultânea em Guarulhos e o fechamento do aeroporto]. Época de verão é época de calor e, em seguida, chuva, com as nuvens formadas neste período trazendo ventos muito fortes. Nem sempre é a visibilidade que é afetada, e estes ventos também ocorrem, o que torna aproximações para pouso perigosas nestas condições."
"Esta operação de Guarulhos aumenta a capacidade. Portanto, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Os controladores são completamente aptos a operar desta maneira", disse Soares sobre sua experiência como controlador no aeroporto.
Segundo estudo feito pelo Ministério dos Transportes e pela Secretaria de Aviação Civil, os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Guarulhos irão atingir o limite da capacidade de movimentação de aviões em 2020 e 2022, respectivamente.
A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) também descartou qualquer relação entre o novo sistema e os atrasos.
"O Agile GRU propicia maior agilidade nas decolagens e pousos. Portanto, não existe qualquer relação entre os eventuais atrasos ocorridos em GRU e o projeto. Pelo contrário, a implementação das operações segregadas simultâneas em condições meteorológicas visuais (VMC) somente tem contribuído para dar mais fluidez e rapidez nas operações", disse, em nota.
A entidade também afirmou: "Vale ressaltar que a implantação do Agile foi precedida de um longo período de planejamento, testes em simuladores em tempo real acelerado, treinamento de controladores em simuladores e inúmeras reuniões envolvendo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo, o Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo, a Torre de Guarulhos, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o GRU Airport, a Iata [Associação Internacional de Transporte Aéreo] e a Abear [Associação Brasileira das Empresas Aéreas], o que trouxe consistência e segurança ao projeto."
Mas o que causa tantos dias de confusão?
A malha aérea é complexa, e os aviões que fazem uma rota, como a ponte-aérea Rio-São Paulo, nem sempre voam os mesmos destinos no mesmo dia. Um avião pode ir de São Paulo ao Rio, em seguida viajar para Manaus (AM), voltando para São Paulo e indo para Porto Alegre (RS) na sequência, tudo em menos de 24 horas.
Por isso, para os especialistas ouvidos, atrasos devido ao fechamento de aeroportos em decorrência de chuvas e ventos não são fenômenos incomuns e explicam os atrasos e cancelamentos registrados nos últimos dias. Afinal, o avião que iria fazer uma rota pode não conseguir pousar no destino e, assim, não haveria avião para continuar as rotas traçadas pelas companhias naquele momento.
Segundo o comandante Ronaldo Jenkins, diretor de Segurança e Operações de Voo da Abear, "quando um voo qualquer se atrasa, não é apenas ele que será afetado, mas também as conexões a ele ligadas".
"Como a malha das empresas é bastante intensa, com poucas folgas para o avião ficar parado, acaba ocorrendo o efeito-cascata. Este tempo [entre pousos e decolagens] é curto, pois a aeronave tem de voar de 10 a 12 horas por dia para ser rentável, sem contar o período em que fica parada no solo para abastecimento e manutenção", disse o comandante.
Para Oswaldo Sansone, professor da matéria aeroportos do curso de Engenharia da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), o impacto foi maior por se tratar do aeroporto de Guarulhos.
"Alguns aeroportos funcionam como concentradores de voos, e Guarulhos é o maior centralizador do Brasil. As companhias aéreas programam suas malhas aéreas para que seja feito o maior número de pousos e decolagens em uma mesma hora no aeroporto, de modo que os passageiros possam trocar de aeronave, fazendo suas conexões. Nesse tipo de malha aérea, existe uma taxa de ocupação maior das aeronaves, mas, quando há alguma perturbação em um voo, a perturbação não fica apenas nele, mas contamina a malha toda", disse o professor.
Demora na normalização
O fechamento de um aeroporto pode corresponder a uma demora de dias para que a malha aérea seja normalizada. Ainda segundo Sansone, devido à alta ocupação das aeronaves, ou seja, ao alto número de assentos ocupados, que chegou a 82% nos últimos anos, fica difícil realocar os passageiros que foram deixados no chão em outros voos. Isso se deve ao fato de que as aeronaves já estão perto de sua capacidade máxima, não cabendo mais passageiros.
O comandante Jenkins também disse que, para se retirar um nó causado pelo fechamento de um aeroporto, são necessários alguns dias.
"Para resolver este problema leva um tempo até as empresas refazerem suas conexões e seus horários. Não é em um piscar de olhos, pensando que, ao abrir o aeroporto, todos passam a voar imediatamente. É preciso recuperar o tempo que o aeroporto ficou fechado com os voos disponíveis na malha aérea."
Os especialistas também destacaram uma questão adicional: aeroportos que ficam fechados à noite, como Congonhas e Santos Dumont (RJ), não conseguem recuperar sua movimentação de maneira tão rápida, podendo demorar vários dias até que tudo seja normalizado.
Atrasos
Com as fortes chuvas que atingiram São Paulo na quinta-feira da semana passada (13), o aeroporto de Guarulhos, que tem em média 830 operações diárias, fechou com 253 atrasos superiores a 15 minutos (aproximadamente 30% dos voos). Na sexta-feira (14), foram 302 atrasos (36%). Na segunda-feira (17), este número havia caído para 162 atrasos (20%) ao todo.
Em todos os 55 aeroportos administrados pela Infraero (como Congonhas e Santos Dumont), na quinta-feira, das 1.307 partidas programadas, foram registrados 31 cancelamentos (2,3%) e 315 atrasos superiores a 30 minutos (24%). Na sexta-feira, das 1.325 partidas programadas em todos os aeroportos administrado pela empresa pública, 46 (3,4%) haviam sido canceladas e 373 (28%) registraram atraso.
Atrasos similares foram registrados após o dia 19 de julho de 2018, quando radares da Aeronáutica que fazem o controle dos aeroportos de São Paulo apresentaram falhas. Na época, o reflexo na malha aérea dos aeroportos administrados pela Infraero se estendeu por, pelo menos, três dias, com atrasos e cancelamentos que atingiram cerca de 45% dos voos no dia seguinte à falha –mesmo aqueles que ocorriam fora de São Paulo.
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