Aérea pede desculpas depois de suspender piloto que reclamou de cansaço
Uma companhia aérea britânica foi obrigada a pedir desculpas a um comandante suspenso por seis meses depois que ele se recusou a voar alegando cansaço. O comandante disse que também foi ameaçado de demissão.
Segundo o sindicato dos pilotos, o comandante decidiu não decolar "depois de três jornadas seguidas iniciadas extremamente cedo, incluindo uma jornada de 18 horas".
O sindicato afirmou ainda que próprio software usado pela empresa Thomas Cook para monitoramento de fadiga mostrou que, se o funcionário tivesse feito o voo previsto, ele teria chegado ao destino com uma redução de desempenho semelhante a uma situação em que estaria se tivesse ingerido álcool em excesso.
A empresa afirmou que considera a segurança uma prioridade e que em nenhum momento quis que o piloto voasse cansado. Segundo a companhia, a disputa judicial ocorreu por causa de uma divergência entre o funcionário e seu supervisor sobre o ocorrido.
Na Europa, tema preocupa
A decisão a respeito do processo movido pelo comandante foi divulgada dias depois de uma pesquisa apontar que metade dos pilotos e copilotos que trabalham para companhias aéreas europeias considera que a questão da fadiga não é levada a sério pelas empresas. E menos de 20% acredita que a companhia aérea para a qual trabalha se importa com seu bem-estar.
O levantamento, feito com mais de 7.000 pilotos de países europeus, mostrou ainda que 28% dos entrevistados creem que o número de funcionários é insuficiente para realizar o trabalho de forma segura.
A percepção de segurança, no entanto, é positiva. Os entrevistados não sentem que estão assumindo riscos e têm um alto grau de confiança em seus colegas (quase todos os entrevistados afirmaram que seus colegas de trabalho são comprometidos com a segurança).
As preocupações com a questão da fadiga, no entanto, podem ser um indicativo de que as jornadas estão exigindo mais do que deveriam. "O estudo não mostra nenhuma relação de causa e efeito entre fadiga e acidentes, no entanto, o potencial de a fadiga em pilotos ter impacto na segurança é definitivamente uma preocupação e uma questão que deve ser analisada", disse em comunicado Anam Parand, um dos autores da pesquisa.
E no Brasil?
Um projeto de lei que inclui diretrizes para a gestão de risco de fadiga está sendo discutido no Congresso Nacional. O texto que foi aprovado no Senado sofreu alterações na Câmara e ainda poderá ser mudado novamente pelos senadores.
Até aqui, a proposta estabelece como limites 8 horas de voo e 4 pousos para tripulação simples (piloto e copiloto), 11 horas de voo e 5 pousos, para tripulação composta (mais 1 comandante), 14 horas de voo e 4 pousos para tripulação de revezamento (mais 1 piloto e 1 copiloto, em esquema de revezamento).
O número de folgas por mês passou de 12, pelo texto original, para 10, em comparação com o mínimo de 8 dias de repouso remunerado atualmente em vigor. Pela proposta, ainda há a possibilidade de reduzir o número de folgas para 9, com base em acordo coletivo de trabalho.
O que está em vigor atualmente no Brasil é uma lei de 1984. Entre outras coisas, o documento prevê jornada de trabalho de 11 horas para tripulação simples, 14 horas para tripulação composta e 20 horas no caso de tripulação de revezamento. O texto estabelece algumas situações em que os limites poderão ser ampliados. Também são estabelecidos limites de voo e de pouso e período de repouso obrigatório.
Condições de trabalho
Paulo Roberto Alonso, consultor técnico da diretoria de segurança e operações de voo da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), considera que, como o conhecimento sobre a fadiga evoluiu desde a década de 1980, as companhias nacionais já se anteciparam e colocaram em prática esquemas para assegurar que suas equipes trabalhem em condições adequadas.
"Por exemplo, não voar duas madrugadas seguidas. As empresas já programam as escalas de voo de forma que isso não ocorra", diz.
Outro ponto importante para evitar o desgaste da tripulação está relacionado à hospedagem oferecida quando o funcionário não está em sua base. "Eu mesmo já cheguei a fazer com que a empresa mudasse de hotel. A localização às vezes é superconfortável, mas fica em uma região de muito barulho. O local de repouso tem que ter silêncio e proteção da luz", afirma Alonso.
O diretor de Relações Sindicais do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Tiago Rosa, diz que também é importante pensar no descanso em escalas longas. "Às vezes é uma escala de 4 horas, 5 horas em que os tripulantes ficam sentados nos bancos do aeroporto, depois de voar durante a madrugada. Eles poderiam passar esse período em um hotel perto do aeroporto".
Responsabilidade compartilhada
Os dois representantes afirmam que o gerenciamento de risco de fadiga exige uma responsabilidade compartilhada entre o profissional e a empresa. "O tripulante tem a responsabilidade de voar somente se se considerar apto para isso, e a empresa tem a responsabilidade de, quando o tripulante negar um voo, não puni-lo", diz o diretor do sindicato.
O porta-voz da Abear afirma que o funcionário é corresponsável por sua capacidade para exercer a função, já que a empresa não tem como fiscalizar o que ele faz fora do trabalho. "Os próprios tripulantes devem incentivar o colega a falar ou dizer diretamente ao setor que cuida disso que ele não tem condições".
Ele diz que uma situação como esta não prejudica o profissional. "O foco não é a punição, é entender o que o tripulante está passando". Segundo Alonso, no ambiente da aviação, a autoavaliação e o monitoramento são constantes. "O tripulante já está acostumado a isso".
Para o representante do sindicato, no entanto, a posição de quem está muito cansado para o trabalho não é fácil, principalmente em um cenário de crise econômica. "Todas as empresas reduziram as malhas [aéreas] e, consequentemente, as tripulações ou horas trabalhadas. Todos têm medo de falar alguma coisa".
Ele afirma que, quando um funcionário apresenta uma queixa de fadiga, acaba sendo retirado dos voos por vários dias, o que traz prejuízos financeiros e à sua imagem como profissional. "Ele fica com um X nas costas perante a empresa e ninguém quer isso em um momento de crise".
Alonso diz que as empresas reduziram o número de voos e fizeram acordos internos para diminuir o número de horas de voo – que compõe parte do salário pago aos tripulantes. Voando menos, acrescenta, o tripulante "passa a ter muito menos risco de fadiga".
O representante dos profissionais diz que o interesse não é trabalhar menos. "A gente não quer voar menos ou escalas menores, a gente quer mais qualidade, quer que as empresas gerenciem melhor as escalas".
(Claudia Andrade)
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