CEO da Gol ouve clientes em voos; vovó reclama de veto a peixinho do neto
Você fez um voo pela Gol e não gostou da experiência? Que tal reclamar diretamente ao presidente da empresa? Se der sorte, pode ser que um dia você encontre Paulo Kakinoff, 41, CEO da companhia, sentado ao seu lado pronto para ouvir sua queixa.
Semanalmente, ele embarca num voo normal com esse objetivo. Durante a viagem, pega o microfone de bordo, apresenta-se e fica do lado de fora do avião ao final, para falar com quem quiser fazer uma sugestão ou crítica.
Uma das reclamações mais inusitadas foi de uma senhora que ficou chateada por não ter podido levar a bordo um peixinho de aquário para seu neto. O peixe estava num saco plástico com água. Kakinoff teve de explicar que não era culpa da Gol, mas das normas de segurança, que proíbem transporte de mais de 100 ml de líquido.
Outra cliente reclamou que todos os quatro sanduíches para venda no menu dos voos tinham queijo. Isso deixava de fora as pessoas com intolerância à lactose. A troca está sendo feita e, em até 60 dias, deve haver uma opção disponível sem queijo.
"Isso ilustra a distância que estamos do que achamos o ideal. E é um aprendizado que não acaba", diz Kakinoff.
Pedindo críticas no microfone
O presidente da Gol aproveita viagens de negócios para fazer essa inspeção. Mas, se não houver nada na agenda, pega um avião de qualquer forma.
"Toda semana, faço um voo nesta condição. Se tem uma agenda profissional, uma reunião no Rio, em Curitiba, em Porto Alegre, faço nesse mesmo voo. Se não tem, eu voo mesmo assim para não perder esse espírito na companhia inteira. Esse tipo de exemplo faz toda a diferença quando vem do cargo do CEO. Isso faz com que haja uma mudança comportamental e o cliente se sinta bem."
Ele entra no voo por último. Assim, não dá tempo de os atendentes de terra e a tripulação mudarem muita coisa para o desempenho ficar artificialmente melhor.
O UOL acompanhou a inspeção desta semana, num voo São Paulo-Brasília. No meio da viagem, ele vai à frente da cabine e usa o sistema de som:
"Boa tarde, por favor, permita-me apresentar-me. Meu nome é Paulo Kakinoff, eu sou presidente da Gol Linhas Aéreas. Uma vez por semana em média eu faço nossos voos na condição de cliente regular com o objetivo de verificar pessoalmente a qualidade do produto e dos serviços que estamos oferecendo. Ao término desse voo, estarei do lado de fora da aeronave à disposição de todos que possam contribuir com suas observações, sugestões e especialmente críticas."
Faz isso há dois anos. "Vejo nossas falhas mais sensíveis, faço uma lista e eu mesmo cuido para que essa seja uma agenda prioritária."
A Gol fez as seguintes alterações depois de ouvir seus passageiros:
- Pontualidade
- Espaço entre as poltronas
- Tecnologia (para reservar, comprar e mudar bilhetes, inclusive por celular)
- Sanduíche vegetariano
- Sanduíche sem queijo
- Salgadinho integral e orgânico
Reclamação que ele faria
Se fosse um passageiro comum, Kakinoff diz que hoje reclamaria das informações na sala de embarque. "Afeta muito a experiência do usuário se ele não ouve a chamada do voo, se o portão de embarque muda de última hora."
"A gente tem aprimoramentos importantes para fazer, mas quando você olha o que foi feito nesse período, diria que 90% delas estão ligadas a produtos e serviços."
É difícil contentar a todos. "Há um espectro gigantesco de interesses e demandas", diz o presidente.
Num mesmo voo, já reclamaram que o piloto falava pouco e que falava muito.
"Um passageiro me disse: 'o comandante podia falar mais. Adoro quando diz onde estamos, qual a temperatura externa e a velocidade. Sou um fascinado por aviação, mas o comandante fala pouco. Depois veio um advogado que voa com a gente toda semana e reclamou que o piloto não parava de falar e não o deixou dormir. A gente periodicamente revisa isso para tentar acertar um mix que nunca agrada 100%."
Segundo ele, entre 170 passageiros, há profissionais autônomos, executivos, pessoas de classes sociais de A a E, gente que está viajando pela primeira vez, gente que está viajando a lazer. "Para cada um deles, a empresa tem um desenho ideal diferente."
"Num voo, temos uma pessoa que vai pedir a noiva em casamento, alguém que está indo ao sepultamento da mãe, alguém que vai a uma entrevista de trabalho, outro que acabou de ser demitido, alguém que está levando os filhos para Caldas Novas. É um mix de emoções, expectativas, sonhos, frustrações, que interferem na avaliação do voo e na expectativa de interação."
Sem reclamações neste voo
No voo São Paulo-Brasília, não houve reclamações. Os passageiros que procuraram Kakinoff apenas elogiaram sua presença. Wellington Lopes, da área de Vendas da Vivo, cumprimentou-o pela "boa iniciativa". Ele falou que viaja toda semana pela Gol e que a empresa cresceu muito
No fim do voo, os passageiros recebem uma mensagem por mensagem por SMS para dar nota de 0 a 10. Com essa pesquisa, a empresa sabe quem é o cliente, o aeroporto, o voo, atendentes em terra, tripulação no avião e o responsável pela entrega da bagagem.
"Com base nisso, atribuímos a toda equipe de atendimento de terra e de bordo notas que influenciam na remuneração variável deles. Isso gerou uma disputa e acabou com a desculpa tradicional num sistema tão complexo como esse. Quando o cliente reclamava, o pessoal do voo falava: foi mal atendido no aeroporto. E vice-versa."
Notas semanais por e-mail
Toda semana, os funcionários da Gol recebem por e-mail uma carta chamada "Radar do Presidente". No rodapé, é publicada essa pesquisa de SMS (com a nota média dada pelos usuários) e o índice de pontualidade dos voos. "É uma forma de avaliação clara para todo mundo."
Kakinoff é presidente da Gol desde 2012. Formado em Administração pelo Mackenzie (São Paulo), trabalhou 18 anos na indústria automobilística e teve uma carreira meteórica.
Há 12 anos, quando era diretor de Vendas e Marketing da Volkswagen, acompanhava o então presidente da VW, o inglês Paul Fleming em suas andanças pelo comércio de São Paulo. Como Fleming era estrangeiro, não conhecia os hábitos do consumidor brasileiro, e gostava de fazer isso andando por aí, entrando em lojas populares como Casas Bahia.
"Desde aquela época, visitando os lugares e entendendo o comportamento dos consumidores, isso me inspirou muito e foi um treinamento, talvez uma programação mental que me acompanha desde então."
(Reportagem e edição: Armando Pereira Filho)
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